quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Partidas.


Sete dias se completaram e havia uma saudade enorme dentro dela. Não era de se assustar.

Há muito já não sabia lidar com a morte. Não sabia deixar ir o ser e manter apenas as saudades e as boas lembranças. Era inconformada com as perdas que já tivera e há muito já devia saber lidar com isso. Novamente, não conseguiu.

Desde que o viu cair doente e sem poder fazer o que mais gostava, rezava baixinho para que obtivesse o descanso e que o universo lhe concedesse paz. Por mais amor que tivesse e vontade de tê-lo por perto, não queria vê-lo sofrer. Esperou.

Ensaiou por diversas vezes sua cena frente à morte. Nada funcionou.

À voz de seu genitor ao telefone no meio da tarde, chorou. Não quis saber do espaço, dos arredores e nem das pessoas. Apenas se deixou chorar.
Reuniu suas coisas e partiu: Era hora de dizer adeus.

Aproximou-se do corpo sem vida – que já não pertencia àquele que conheceu -, tocou-lhe as mãos frias e lhe desejou uma boa viagem de ida. Agradeceu pelo seu tempo na Terra e pediu que houvesse luz em seu caminho. Em um sussurro, pediu que ele cuidasse dela e que estivesse sempre por perto. Não sabia o porquê, mas ela se sentia criança novamente.
Dos 90 anos que viveu, ele esteve com ela por menos da metade. Dos anos que ela ainda vive, deseja viver tanto quanto ele e aprender a enfrentar as idas sem volta.

Da vida – e dos medos – que ela tem, não há nada o que se julgar. Ela sabe que a morte vai voltar a aparecer. E ela também sabe que vai ter que enfrentar.

Saudades.

Clísio Madeira
27.01.1921 – 16.01.2013

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Vaidades.


Havia uma mulher que era apaixonada pela beleza. Dia após dia, ela buscava formas de manter-se estonteante e fazer com que os homens caíssem aos seus pés.

Uma tarde, olhando-se no espelho, perguntou:

- Existirá algum modo de embelezar-me mais?
Ao que o espelho, num súbito, tomou vida e respondeu:
- Estai contente com tua beleza, pois ela reflete o fruto da tua idade.
- Mas ninguém sabe minha real idade. A todos, digo que sou dez anos mais jovem! – contestou a mulher.
- Então não deves te preocupar. Se o dizes e lhes acreditam, então não há nenhum modo de embelezar-se mais. – disse o espelho, deixando a magia e retomando sua forma original.

A mulher continuou a dizer de seus anos a menos e a envaidecer-se cada vez mais. Cometia adultérios, embriagava-se e aproveitava o máximo que a luxúria em seu corpo lhe permitia. Ao final de dez anos, aparentava ter vinte a mais. E a cada cinco, o dobro. Percebeu que, em pouco tempo, sua beleza já era escassa e que os prazeres da carne já não lhe eram mais concedidos, uma vez que já não despertava mais o interesse de tantos amantes.

Recorrendo novamente ao espelho, implorou para que lhe fossem concedidos anos de juventude, porém nada aconteceu. Clamou por sua aparência ao objeto sem vida, pois sofria com a falta de sensualidade. Ao que o espelho toma vida novamente, e sua imagem refletiu o corpo de vinte anos atrás. Olhou suas mãos enrugadas e viu que não era real, mas se sentia feliz em enxergar-se bela novamente.

Vestiu sua melhor roupa, pôs-se frente ao espelho, serviu-se do melhor drink e acendeu um cigarro. Deu um trago e murmurou para si:
- Que os deuses me levem, pois, e que eu não me lembre deste corpo enferrujado, mas leve este reflexo pela eternidade. Bela, sempre bela...