segunda-feira, 29 de julho de 2013

Buscas.



Na incerteza de seu coração aflito, sentiu medo.

Ela estava longe de tudo e com um plano na mão. Era tudo o que tinha.
Não sabia, de fato, se era o certo a fazer, mas sabia o que o seu coração lhe dizia. Obedeceu.

Seu passado lhe sussurrava as dores vividas, mas ela só ouvia seus gritos. Apavorou-se.
Se sentiu perdida como nunca e com um milhão de possibilidades. Houvera sempre um caminho, uma intenção. Mas ela não sabia mais de nada.

Um coração diminuído lhe lembrava do amor. 
Ao som de sua voz, enchia-se de alegria e certezas, e confirmava: 
- Tudo vai ficar bem!
À luz da noite, escura e solitária, atormentava-se com as lembranças das recentes visitas de seus fantasmas. 
Fatos que queria esquecer, sofrimentos que queria deixar pra trás.

Os de sangue lhe diziam de suas prioridades.
Os de coração lhe diziam de suas vontades.
Ela só pensava em seu amor.
E não se arrependia.

Embora soubesse que havia se perdido em alguma parte do caminho, sabia que mesmo sem reconhecer, não perderia por nada o que estava por vir. 
Sabia que a contagem regressiva já começara, e que já a preparava para algo que jamais queria que fosse dúvida.
Ela precisava de certezas.

Seu tempo estava correndo rápido demais, e suas certezas oscilando com o vento. 
Precisava de mais sentimento, de mais palavras, de mais amor.
Precisava de menos lógicas e mais coração.
Ela precisava se reencontrar.

No meio da multidão, procurou-se.
Sem sucesso, decidiu prosseguir.
“Quem sabe não esqueci-me aonde nunca estive?” – pensou.

Encheu seu coração apertado de esperanças e procurou não pensar em nada.

Afinal, quem sabe se o dia não estará lindo amanhã?

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Ponteiros.


A noite cai, e a corrida se inicia.

A ânsia, a fome, o cansaço. 
Passos que aceleram.
O medo, a angústia, o alívio. 
A proteção do lar.

No fim, todos são iguais. 
De carro, coletivo ou a pé.
À posição invertida dos ponteiros, 
O mundo inteiro se levanta: 
É hora de partir.
Pra casa, pro futuro, pra morte. 
Apenas ir.

Deixar a labuta e correr ao aconchego.
Ou largar o presente pra chegar a tempo no futuro.
Ou morrer no caminho.

Já vi gente que nunca chegou.
Já vi gente dar graças a seu Deus por ter chegado.
Outros que apenas correram para saciar a fome.

O velocímetro orgânico que marcava o máximo, se retira.
Vai dormir e só volta junto ao Sol.
E será mais um dia acelerado.
De pressa, de sede, de tempo.

Que se vá, mas que volte.
E que eu possa ver-te cada dia mais. 

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Tempestades.

Ela estava atormentada.

Uma maré de dúvidas invadiu seus pensamentos e ela não conseguiu se segurar. Desesperou.

Seus sonhos e pesadelos se fundiam cada vez mais, deixando suas noites claras como o dia e sua mente cansada de tanto lutar. A busca diária pelo entendimento, bem como a tentativa de afastar o mau de sua mente a haviam deixado exausta e ela sentia que não dava mais pra continuar. Concentrou-se.

Desde que a mentira fora descoberta, seu coração estava em pedaços. Tentava, dia após dia, esquecer e continuar a jornada, porém seus valores diziam que era imperdoável. Por uma vida inteira, fora testemunha do sofrimento que causavam as inverdades e, ainda pequena, prometeu-se jamais perdoar quem lhe enganasse. E assim seguiu.

Protegeu-se, ano após ano, de todos os que lhe foram infiéis. Afastou todos os que trataram a verdade de forma banal e viu muitos se arrependerem e clamar por chances. Não cedeu.

Encontrou, enfim, o amor. O amor puro, porto seguro. Sentia-se dele e via-se ali, num cliché do conto de fadas. Mas a noite é escura e detém os mais temíveis mistérios. Inclusive os dele.
As verdades a invadiram como bola de neve e despedaçaram seu coração. Foi tomada pelas memórias longínquas e, sem pensar, proferiu: "Não dá mais." e partiu.

Na chuva que caía, buscou abrigo. Quis que ela lavasse todo o mal que sentia, mas ela apenas inundou seu corpo. Avistou as dúvidas passadas caminhando em sua direção e tentou se esquivar. Não conseguiu.
Nos dias que passaram, ela sofreu. Seu sono não era mais tranquilo, seus pensamentos não eram mais retilíneos, seu amor não era mais puro.

Decidiu, por esse mesmo amor, perdoar. Entendia que os humanos ainda não haviam alcançado a perfeição e que ela também erraria um dia. Arriscou-se.
O tempo prosseguia em seu caminho e os dias permaneciam os mesmos. Ela tentava, a todo momento, perdoar mais. Sabia que seria difícil e sabia o que estava por vir, mas ela se propusera a abandonar seus princípios e a dar uma segunda chance. Empenhou-se, então.

Seus pensamentos e sonhos continuavam embaralhados. 
Ela tinha mais amor a cada dia. 
Mas a dádiva de esquecer não lhe foi concedida.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Promessas.

Ela estava com saudades.

Muito havia se passado e ela sentia falta das coisas antigas. Os telefonemas constantes, tornaram-se mensagens esporádicas e as mensagens tornaram-se pensamentos. Pensou na ausência.

O que antes era resolvido com oito dígitos e um tom de linha, tornou-se motivo de agonia dentro dela. A tentativa de manter viva a proximidade esvaiu-se no tempo e virou lacuna. O tempo passado e as centenas de quilômetros fizeram com que os hábitos juntos se tornassem vontades solitárias. Silenciou.
Pensou em todos os amigos que tivera. Nos da infância, que ainda tinha contato, e nos que passavam por ela pela rua e fingiam que não a conheciam. Nos da adolescência, nos sonhos compartilhados e nos das lembranças mais recentes. Não sabia o que dizer.

Mergulhada nos sentimentos da lembrança, contou cada um que lhe cruzara o dedo e dissera: "Pra sempre!". Sentiu falta deles.
Ela sabia que seria assim um dia. Sabia que os rumos seriam contrários e que as voltas da vida os separariam. Ela sabia das causas e das consequências, mas ela também sabia dos sentimentos. Eles sim eram pra sempre. 

Lembrou-se da amizade mais pura e sincera que ainda mantinha. Lembrou-se, também, que era a mais antiga e que mesmo que a vida não permitisse vê-la com frequência, sabia da intensidade do amor que as guardava na presença. Sentiu falta dela.
Da necessidade da sinceridade amiga, guardou seus sentimentos no silêncio. Sabia que tinha alguém, mas não sabia a quem recorrer.

Eternizou na memória as amizades e os momentos vividos. Ela sabia o que foi dito e sabia que não havia sido em vão. Todos os sentimentos estavam guardados dentro dela.

E ela prometeu nunca se esquecer.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Partidas.


Sete dias se completaram e havia uma saudade enorme dentro dela. Não era de se assustar.

Há muito já não sabia lidar com a morte. Não sabia deixar ir o ser e manter apenas as saudades e as boas lembranças. Era inconformada com as perdas que já tivera e há muito já devia saber lidar com isso. Novamente, não conseguiu.

Desde que o viu cair doente e sem poder fazer o que mais gostava, rezava baixinho para que obtivesse o descanso e que o universo lhe concedesse paz. Por mais amor que tivesse e vontade de tê-lo por perto, não queria vê-lo sofrer. Esperou.

Ensaiou por diversas vezes sua cena frente à morte. Nada funcionou.

À voz de seu genitor ao telefone no meio da tarde, chorou. Não quis saber do espaço, dos arredores e nem das pessoas. Apenas se deixou chorar.
Reuniu suas coisas e partiu: Era hora de dizer adeus.

Aproximou-se do corpo sem vida – que já não pertencia àquele que conheceu -, tocou-lhe as mãos frias e lhe desejou uma boa viagem de ida. Agradeceu pelo seu tempo na Terra e pediu que houvesse luz em seu caminho. Em um sussurro, pediu que ele cuidasse dela e que estivesse sempre por perto. Não sabia o porquê, mas ela se sentia criança novamente.
Dos 90 anos que viveu, ele esteve com ela por menos da metade. Dos anos que ela ainda vive, deseja viver tanto quanto ele e aprender a enfrentar as idas sem volta.

Da vida – e dos medos – que ela tem, não há nada o que se julgar. Ela sabe que a morte vai voltar a aparecer. E ela também sabe que vai ter que enfrentar.

Saudades.

Clísio Madeira
27.01.1921 – 16.01.2013

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Vaidades.


Havia uma mulher que era apaixonada pela beleza. Dia após dia, ela buscava formas de manter-se estonteante e fazer com que os homens caíssem aos seus pés.

Uma tarde, olhando-se no espelho, perguntou:

- Existirá algum modo de embelezar-me mais?
Ao que o espelho, num súbito, tomou vida e respondeu:
- Estai contente com tua beleza, pois ela reflete o fruto da tua idade.
- Mas ninguém sabe minha real idade. A todos, digo que sou dez anos mais jovem! – contestou a mulher.
- Então não deves te preocupar. Se o dizes e lhes acreditam, então não há nenhum modo de embelezar-se mais. – disse o espelho, deixando a magia e retomando sua forma original.

A mulher continuou a dizer de seus anos a menos e a envaidecer-se cada vez mais. Cometia adultérios, embriagava-se e aproveitava o máximo que a luxúria em seu corpo lhe permitia. Ao final de dez anos, aparentava ter vinte a mais. E a cada cinco, o dobro. Percebeu que, em pouco tempo, sua beleza já era escassa e que os prazeres da carne já não lhe eram mais concedidos, uma vez que já não despertava mais o interesse de tantos amantes.

Recorrendo novamente ao espelho, implorou para que lhe fossem concedidos anos de juventude, porém nada aconteceu. Clamou por sua aparência ao objeto sem vida, pois sofria com a falta de sensualidade. Ao que o espelho toma vida novamente, e sua imagem refletiu o corpo de vinte anos atrás. Olhou suas mãos enrugadas e viu que não era real, mas se sentia feliz em enxergar-se bela novamente.

Vestiu sua melhor roupa, pôs-se frente ao espelho, serviu-se do melhor drink e acendeu um cigarro. Deu um trago e murmurou para si:
- Que os deuses me levem, pois, e que eu não me lembre deste corpo enferrujado, mas leve este reflexo pela eternidade. Bela, sempre bela...