domingo, 28 de setembro de 2014

Reflexos

Ela caminhava na noite fria.

A rua estava um tanto deserta e ela estava só. 
Havia névoa, mas ela estava fascinada pela beleza do outono que havia começado. 
Seguiu.

Andou pelas luzes turvas e respirou fundo. Tão puro!
O ar gelado da noite invadiu seu corpo e trouxe um tanto de alívio.

Não entendeu o por quê.

Deu dois passos à frente e parou. Pensou ter ouvido seu nome e prestou atenção atenção no silêncio. 
Nada.

Mais um passo, outra vez. 

A voz era distante, fraca, mas estava certa de que era o seu nome que chamava. 
Estremeceu.

Atentou para a direção daquele sussurro e caminhou ao encontro dele. 
Sentia um certo medo, mas estava curiosa demais para fugir. 
Seguiu em frente.

Ao passo que caminhava, o vento ficou mais forte e tudo mais denso.
As luzes eram mais fracas e a rua mais vazia.
Não se importou.

A voz distante chamava seu nome e ela estava decidida a encontra-la. 
Avistou um vulto.

Alguém caminhava em sua direção.
Sentiu seu corpo gelar, e uma quantidade enorme de adrenalina invadir todas as partes.

Aos passos lentos, aproximavam-se. Ela não via o rosto, mas constatou ser uma mulher. 

Ouviu novamente o seu nome num sussurro. 

As luzes se acenderam.
Um súbito de medo e confusão atingiu sua alma quando reconheceu o rosto daquela que lhe chamava.
Ao que pensou em correr, uma mão segurou seu ombro e uma voz desconhecida gritou:

- Tarde demais!

Sentiu seu corpo ser empurrado para trás. 
Sentiu uma imensidão inteira passar antes que alcançasse o chão.
Viu todas as suas memórias irem embora.
O vulto ainda a observava.

Acordou com o coração acelerado e a cabeça a mil.

Ainda assustada, tentou assimilar o pesadelo. 
O vulto no espelho era seu próprio reflexo. 

Queria entender.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Um.

Escolheu a vida só, além do dois.
Teve dúvida, medo e incertezas quanto às próprias capacidades.
Julgou-se.

Havia abandonado a zona de conforto e partido para o desconhecido, de peito aberto e coração na mão.
Temeu o futuro.

A dor aguda, constante e inevitável traziam angústia, mas também um certo alento.
Sentia um paradoxo sem fim.
Sem explicação.

Pensou nas dores de amor como as chuvas em Março nas terras Tupiniquins.
Mesmo fortes e persistentes, passam com a chegada de Abril e o sol do Outono. 
Pensou nas folhas tocando o chão e levando consigo cada sentimento e memória do que foi.
Refletiu.

Pensou em si, nos planos, nas coisas boas que ficaram e questionou o que estaria por vir.
Cogitou sua idade.
Contou tempo, espaço e metas.
Questionou o futuro.

Na árvore de sua vida, um uma brisa levou consigo a última e resistente folha.
Tudo se esvai.

O coração esvaziou, a cabeça se preencheu.

Como um moinho d’água, seus pensamentos se renovaram e o coração se aquietou. 
O inverno que pareceu demorar pra sempre foi inundado com uma imensidão de brotos e novos sentimentos.
A água agora era fresca e seus pensamentos também.

Cresceu.

Na clarividência de sua força, enxergou-se longe.

A cada flor, uma nova experiência.
A cada experiência, uma lembrança.

Rezou baixo para que essas, sim, prevaleçam.
E que se multipliquem a cada desabrochar.

Pensou que ser um não é ser só.
Mas apenas permitir-se viver uma nova primavera.